A INFLUÊNCIA DE MATO GROSSO
NA LITERATURA BRASILEIRA
Para o administrados andejo, que tanto se comprazia
nas reuniões de seleto club londrino, como em devassar as paragens
remotas, onde se lhe deparasse, ainda hostil em contato da civilização,
a índio bravio, não havia obstáculo que lhe não
estimulasse a vaidade de superá-lo.
Tomar uma embarcação utilizada no tráfego fluvial da
rede paraguaias, desmontá-la quanto possível, e transportar-lhe
as peças componentes para cem léguas de sertões vigiados
pelo índio intratável, afigurou-se-lhe perfeitamente exeqüível
em Cuiabá, onde não lhe faltavam colaboradores para a limpeza
ousada que tamanha glória outorgara a Garibaldi, quando conduziu, por
dez léguas em carretas, os seus lanchões de guerra, Rio Pardo
e Seival, da Lagoa dos Patos para o Tramandaby, através do arenoso
albardão litorâneo.
Mas ali, não era somente o percurso horizontal que se dilatava em proporções
desanimadoras, engravecidas pelo perfil do terreno desconhecido. Entre as
águas do Piquiry _ rio entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - alcançadas
pelo casco do navio rebocado, e as do Araguaia, intercalavam-se as elevações
do maciço central brasileiro, nivelado em chapadão sem fim,
ora encrespado de memórias perturbadoras da marcha, ou fendido em vales
variamente amplos.
O mesmo arrojo, que o impeliu a concretizar a sua estonteante obsessão
industrial, levá-lo-ia a empreender eficaz plano de campanha contra
o invasor, ideado igualmente em Cuiabá, como, ainda mais tarde, a aplicar
o seu talento de improvisação ao estudo da etnografia brasileira,
revelado na obra que lhe consolidou a reputação de escritor,
cujos méritos Aureliano Leite não há muito relembrou
em formosa conferência, da série em boa hora promovida pelo Ministério
da Educação. (p. 36)
Empreendedor de rija têmpera, tanto em assuntos materiais, como em cogitações
de ordem científica somente seria o seu esforço ultrapassado
pelo General Rondon, cuiabano de Mimoso, que, ao internar-se pelos sertões
patrícios, de sextante em punho, para se cartear com as estrelas, obteve
o concurso de naturalistas de naturalistas de nomeada, cuja vista perspicaz
segredos da natureza mato-grossense.
Daí resultaram monografias de fino quilate que auxiliaram a decifração
dos problemas brasileiros referentes à terra, e a sua flora e fauna.
Acostumado a investigar os fenômenos da biologia, elaborou, então,
Roquete Pinto, a Rondônia, que lhe satisfaria as aspirações
científicas.
A vocação do escritor, porém, que a sua profissão
não sufocou, inspirar-lhe-ia samambaia, obra constituída quase
toda de motivos regionais.
“O rio Sepotuba morre no Ato Paraguai em Mato Grosso depois de um curso
acidentado e bonito”. Assim abre o conto denominado A Canoa, em que
prossegue:
Não é muito largo, mas cavou um leito fundo as terras baixas de vale e corre apressado, na maior parte do seu trajeto, apertando-se nos sulcos que traçou na diabase dos primeiros andaimes da Serra dos Parecis. Nenhum rio as adorna de matas mais viçosas. E como é quase sem praias, quase oculto pelo arvoredo, parece um intenso igapé numa clareira de florestas (p.52).
A história do caboclo Genésio, sugere-lhe a Mata devoradora,
entremeada de reflexões a propoósito.
Olhe, neste mundo as coisas todas vão passando como as folhinhas que
o rio carrega. De vez em quando uma encalhada no barranco, parece que vai
ficar ali mesmo. A água, logo depois, às vezes no dia seguinte,
eu quando muito na primeira chuva, mexe com a folha... e ela vai seguindo
de novo - tudo, na vida, é como as folhas que caem no rio. (p.114).à
(p.37).
Ultrapassaria os limites desta palestra qualquer referência às
inspirações de que se embeberam doutos viajantes, em suas excursões
rápidas, ou mais demoradas, através de Mato Grosso.