A INFLUÊNCIA DE MATO GROSSO NA LITERATURA BRASILEIRA

Os boiadeiros, que transitam entre Mato Grosso, Mato Grosso de Sul e São Paulo, incumbiram-se de espalhar pelos centros urbanos mais próximos ao litoral as lendas e episódios, em que se espelhava a própria vida sertaneja, com suas alegrias e penares.
E também os seus sócios de aventuras, os tropeiros, cuja atividade sagaz assegurou o intercâmbio entre os portos atlânticos e as extremas ocidentais.
Uns dirigiam a mercadoria viva, que se transportava a si própria, enquanto os outros atestavam os seus cargueiros do volume, em que iam artigos de toda espécie.
Mas todos encarnavam o espírito aventureiro do sertanista, que se impregnava das particularidades mato-grossenses, para propagá-las ao ouvinte curioso.
Assim foi que Afonso Arinos, enlevado pelo que de continuo lhe narravam, em Paracatú, ao enfeixar em ‘pelo Sertão’, as suas histórias e paisagens reservou o primeiro logar ao ‘Assombramento, formosa evocação da vida do tropeiro’, com que abre o volume encantados.
Evitada pelos viajantes, que temiam a fama assustadora, a tapera outrora imponente em sua vasta construção esboroava-se aos pedaços.
“Arrieiro Atrevido”, o cuiabano Manoel Alves “não estava por essas abusões, e quis tirar a cisma da casa mal-assombrada”.

Tinha corrido todo esse mundão sem topar coisa alguma, em dias de sua vida, que lhe fizesse o coração bater apressadamente, de medo”.
Em desafio as fúrias do ermo, escolheu para pouso o próprio sítio condenado pela voz popular.
Ordenou que no velho salão de entrada, já esquecido de passos humanos, lhe armassem a “rede cuiabana bem tecida, bem arrematada por longas franjas pendentes.

(Se Arinos tivesse conhecido Cuiabá, em vez de franja diria varanda, mais de acordo com a terminologia local, designadora do complemento decorativo das redes, em cuja confecção as tecelãs anônimas, realizavam, não raro, impressionantes obras de arte).
Mas o admirável escritor mineiro não conheceu de perto a gente dalém Paraná, a quem não faltaria, entretanto, a sua simpatia, de amistosa generosidade para com os patrícios sertanejos.
Diversamente ocorreu com o seu conterrâneo também amante de viagens, que freqüentes vezes o levariam dos mais cultos centros europeus ao recesso das florestas araguaianas.
Era, em verdade, José Vieira Couto Magalhães, digno emulo de Arinos na destreza com que sabia harmonizar as duas tendências antagônicas da sua personalidade.
Tanto se movia galhardamente em qualquer salão de requintada etiqueta, como se nivelava, no trato, com o mais caipira, cuja estima não tardava a empolgar.
Arinos, porém, confinou-se no jornalismo e boas letras por meio dos quais ingressou na imortalidade.
Couto de Magalhães, mais aventureiro e curioso, iniciou-se na literatura, para atuar, em seguida e com desembaraço, na alta administração provincial, na militância, donde lhe resultaram as honras de brigadeiro e nas ciências cooperadoras de geografia.
Lembre-se, a propósito, de que os seus estudos de etnografia, de que foi um dos pioneiros do Brasil, com o “Selvagem”, obra que aflorou com a marca de perenidade, só foram elaborados depois de sua estada em Mato (p. 35) Grosso, onde se revelou a audácia das suas concepções.
Em meio de injunções belicosas, que transmontavam dos domínios lopesinos, no quinquênio trágico, decidiu nada menos que transportar um navio a vapor do rio Cuiabá ao Araguaia.

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