A INFLUÊNCIA DE MATO GROSSO
NA LITERATURA BRASILEIRA
As aves achegam-se aos ninhos, suspendem aos vôos,
e se escondem; algumas, como as gaivotas, enchem os ares de suas vozes assustadas
e quase que lamentosas, pronunciando a tormenta: mas, logo se calam.
O ambiente cada vez se achumba mais, e a respiração se torna
mais difícil. Há uma espécie de dureza em tudo o que
nos cerca; um torpor gradativo; um silêncio especial, só quebrado
pelo rumor das correntezas que aumentam de estrepito e fazem ainda maior a
ansiedade do homem.
Entretanto nenhuma nuvem no céu; somente o sol havia amortecido seus
raios, ocultos sob um véu espesso e achumbado.
Daí a pouco denso nimbus surgia do horizonte, elevando-se de Sul ou
Sudeste, fazendo-se já ouvir o longínquo e surdo reboar do trovão.
Em breve, cintilam os relâmpagos, amiúda-se o trovão,
já com estridor medonho.
O ambiente modifica-se extraordinariamente e a temperatura decresce com rapidez.
Sopra uma brisa, de ordinário do quadrante austral, que em breve se
converte em violento tufão. Um grosso pingo de água, outro e
outros, isolados, caem a grandes espaços nos chão. São
as avançadas de um aguaceiro diluvial que traz, por atiradores, um
chuveiro de granizos e açoita a natureza por alguns minutos.
Meia hora depois o sol resplende fulgurante.
O céu está límpido e sereno; a brisa murmura suave, as
árvores curvam-se levemente ao sopro fagueiro; a natureza sorri; os
pássaros sacodem das asas as gotas (p. 30, meu) de água que
tiveram força de embeber-lhe as plumas, e cantam; os animais mostram-se
contentes, e o homem sente-se reanimado e feliz.
Tudo respira com mais vida, somente guardam por algum tempo o sinal do cataclisma
a relva abatida dos campos, as folhas despidas e os galhos lascados das árvores
da floresta e as correntes que, mais tudas e tumultuosas, vão, contudo,
pouco a pouco perdendo a sua soberba e entrando de novo nos limites que a
natureza lhes demarcou.
Poucas horas depois só saberia do acontecido quem o houvesse presenciado”.
(sem indicação de fonte, p. 199)
Tanto o engenheiro militar e paisagista admirável como o cirurgião
imperial e geógrafo acatado, contribuíram para excitar com o
seu entusiasmo contagioso, a admiração de quem estrearia na
Literatura com o trágico poema Os sertões, graças do
qual empolgou, de súbito, a supremacia no gênero.
Nada observaria pessoalmente, a oeste das raias paulistas, ao contrário
dos seus predecessores que presenciaram mais de uma vez os fenômenos
descritos.
Mas dotado de possante imaginação, que se ajustava as maravilhas
à firme cultura científica, Euclides da Cunha, ao definir as
peculiaridades regionais, que diferenciam o território brasileiro,
generalizou os quadros desenhados por João Severiano, nos quais lobrigou
a exata características do ambiente mato-grossense, sintetizada em
página imortal.
Com efeito, a natureza em Mato Grosso balanceia os exageros de Buckle. É
excepcional e nitidamente destacada.
Nenhuma se lhe assemelha. Toda a imponência selvagem, toda a exuberância
inconceptível, aliadas à brutalidade máxima dos elementos,
que o proeminente pensador, em precipitada generalização, ideou
no Brasil, ali estão francas, rompentes em cenários portentosos.
Contemplando-as, mesmo através da frieza das observações
(p. 31) de naturalistas pouco vesados a efeitos descritivos, vê-se que
aquele regime climatológico anômalo é o mais fundo traço
da nossa variabilidade mesológica.
Nenhum se lhe equipara, no jogar das antíteses.
A sua feição aparente é a de benignidade extrema: - a
terra afeiçoada a vida: a natureza fecunda alteada na apoteose triunfal
dos dias deslumbrantes e calmos (74) e o solo abrolhando em vegetação
fantástica - farto irrigado de rios que irradiam pelos quatro pontos
cardeais.
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