A INFLUÊNCIA DE MATO GROSSO
NA LITERATURA BRASILEIRA
Mas esta placidez opulenta esconde, paradoxalmente,
germes de cataclismo, que, irrompendo, sempre com um ritmo inquebrável
no estio, rodeado dos mesmos prenúncios infalíveis, ali tombam
com a finalidade irresistível de uma lei.
Mal poderemos traçá-los. Esbocemo-los.
Depois de soprarem por alguns dias as rajadas quentes e úmidas do nordeste,
os ares imbolizam-se por algum tempo, estagnados. Então a “natureza
como se abate extática, assustada”. (J. Severiano)
Mas volvendo o olhar para os céus nenhuma nuvem!
O firmamento límpido argueia-se alumiado por um sol obscurecido, de
eclipse.
A pressão, entretanto, decai vagarosamente, numa discenção
contínua, afogando a vida.
Por momentos, um cumulus compacto, de bordas acobreado-escuras, negreja no
horizonte ao sul. Deste ponto sopra, logo depois, uma viração,
cuja velocidade cresce rápida em lufadas fortes. A temperatura cai
em minutos e momentos depois, os tufões sacodem violentamente a terra.
Fulguram relâmpagos; estrugem trovoadas nos céus, us (sic), já
de todos nublados e um aguaceiro torrencial desce logo sobre aquelas vastas
superfícies, apagando, numa inundação única, o
divortium aquarum indeciso que as atravessa, adunando as nascentes dos rios
e embaralhando lhes os leitos em alagados indefinidos. É um as - (p.
32, meu) salto subterrâneo.
O cataclismo irrompe, arrebatado na aspiral vibrante se um ciclone. Descalmam-se
as casas; dobram-se, rangendo, e partem-se, estalando, os carandás;
ilham-se os morros; alagam-se os planos...
E uma hora depois o sol irradis triunfalmente no céu puríssimo!
A passarada irrequieta descansa pelas frondes gotejantes; sulcam os ares virações
suaves - e o homem deixando os refúgios a que se acolhera, contempla
os estragos entre a revivescência universal da vida.
Os troncos e os galhos das árvores rachadas pelos raios, lascadas pelos
ventos; as choupanas destruídas, calmos por terra; as últimas
águas barrentas dos ribeirões transbordantes; a erva acamada
pelos campos, como se sobre elas passassem búfalos às manadas
mal relembram a investida fulminante do flagelo. (Euclides da Cunha. Os sertões)
Tanto fascínio exerce a prosa épica de Euclides da Cunha, que
a gente não se anima a contestar-lhe os conceitos luminosos, de que
se causa a generalização descabida.
O mesmo exagero, que se lhe deparou em Buckle, apressado em generalizar, repete-se-lhe
no quadro magistralmente colorido, que é pena, pela sua pomposa pintura,
não constituir, de fato a feição individualizadora do
clima de Mato Grosso, imenso demais para comportar uma única distribuição
de componentes metereológicos.
Não é, todavia, o momento de restringir o alcance da tese euclidiana,
mas de lembrar a contribuição de mato Grosso para o seu livro
admirável, ao qual proporcionaou assuntos para algumas páginas
famosíssimas.
Além da descrição dos cataclismos, inspirada pela leitura
de João Severiano e ampliada pela sua imaginação trágica,
o “estouro da boiada”, tão impressionantemente descrito,
não teria, por ventura, diversa origem. (p. 33)
Contam os seus amigos que não lhe fora ainda possível observar
nenhuma destas explosões de medo em meio de tranqüilos bovinos
arrebanhados pelos vaqueiros. Mas ouvir a narrativa de pessoas conhecedoras
do episódio perturbador da marchar cadenciada de centenas de rezes,
e milhares, não raro, que se deixam conduzir ordeiramente, até
que de improviso, deflagra o pânico e sobra a disciplina, na confusão
fatal, em que parecem animais, pisoteados pelos mais expertos, que loucadamente
forjam por fugir do perigo imaginário ou real.