A INFLUÊNCIA DE MATO GROSSO NA LITERATURA BRASILEIRA

Tanto fizera, e com tamanho senso de precisão, que despertaria a admiração do mais notável dos biófilos, nada menos que o Visconde de Taunay, que lhe começou a descrever os feitos, em dramáticas circunstâncias.
Era ainda simplesmente Alfredo de Escragnolle Taunay, sem brasão, além do paterno e tenente do corpo de engenheiros, quando, em Coxim, entra no conhecimento das decisões de Leverger, que, Presidente da Província, diligenciava, a todo seu poder, minorar os sofrimentos dos desventurados expedicionários da Coluna Camisão.
Percebeu-lhe a fama, de sabedor minucioso dos fatos regionais, que também haviam de seduzir o jovem militar, predestinado a ser o mais vibrátil cronista dos sucessos que tinham por inigualável palco as paragens encantadoras onde não lhe minguariam motivos de angustioso enfado.
Simultaneamente, solicitado por impressões antagônicas do bucolismo envolvente, que lhe acariciava a apurada sensibilidade, às contingências brutais da guerra desencadeada insensatamente pelo vaidoso enamorado da Madame Linch, Taunay, pujante de mocidade, não atravessaria impunemente aquela quadra de experiência da vida.
Entre a contemplação das paisagens empolgantes, animadas pela gente simples que ali vivia, e a luta contra a água inundante, contra o fogo, ateado pelo inimigo, e os aguerridos cavalarianos lopesinos, alternavam-se-lhe os dias, que seriam de sofrimento e de glória.
Tanto se lhe impregnara a imaginação criadora do que via e sentia naquele ambiente sugestivo, que, ao regressar, trazia delineadas no subconsciente as duas obras primas que lhe granjeariam repentina fama de escritor exímio.
Se, em verdade, a “Retirada da Laguna”, pela sua feição dominante de epopéia militar que narra as peripécias de uma arrancada imprudente, salva do aniquilamento completo, pelo heroísmo de lutadores destemerosos, escassa margem abriria ao contemplativo, para expandir as suas impressões, a “Inocência” que se lhe seguiu, a breve trecho, permitia-lhe desforrar-se à largadas contrições que por ventura lhe impusesse à pena o assunto do poema bélico.
Na rusticidade amena daqueles rincões, que o narrador se compraz em fotografar, sem lhes tirar os tons reais, desenrola-se o idílio campesino, que a natureza tece com a força dos seus impulsos.
Em qualquer parte, ao escritor poderia, sem dúvida, deparar-se análogo ensejo de patentear sua vocação literária mal sufocada pela farda que lhe restringia, de certa maneira, a liberdade de ação.
Mato Grosso, entretanto, com o poder sugestivo dos seus cenários singulares, diferentes de tudo quanto vira até então, avivou-lhe a fantasia, acaso ainda contida pelos regulamentos militares, com tamanha intensidade que o fez conquistar, de golpe, surpreendente nomeada.
Associaram-se indissoluvelmente, desde o primeiro lance, o talento descritivo de Taunay, hábil no manejar a sua palheta opulenta de tons, e a Natureza mato-grossense, que jamais deixaria de atuar-lhe na mente criadora.
E, por isso, a glória do Visconde de Taunay, Mato Grosso inclui em seu em seu patrimônio intelectual, por força do quinhão que lhe cabe.
Só a “Retirada da Laguna”, dificilmente realizável em outro meio, com iguais episódios, e “Inocência”, caracteristicamente mato-grossense, pelo cenário e pelas personagens e enredo, bastam para justificar a glorificação do autor.
Esquecei essas duas obras primas, cada qual no seu gênero, e toda bagagem restante, apesar de numerosa, não lançará a mesma valia.
É interessante que toda ela, com raras exceções, ainda reflete impressões gravadas em Mato Grosso.
Em “Visões do Sertão”, “Mato Grosso invadido”, “Cidade do Ouro e das ruínas”, “Viagens de Outr’ora”, “Entre os nossos índios”, predomina a mesma fonte inspiradora, que transbordaria até para escritos desenvolvidos em outras paragens.
Ainda quando, enlevado, debuxa “Céus e terras do Brasil” é quase exclusivamente Mato Grosso que lhe ) fornece os melhores quadros.
Aí encontrareis o instantâneo de uma tempestade sertaneja, que vale a pena relembrar, em cotejo com a contribuição de outros ensaístas.
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