A INFLUÊNCIA DE MATO GROSSO
NA LITERATURA BRASILEIRA
“Descansa o sol: são horas da tarde.
Armada a trovoada, não tarda que desabe.
Às vezes, quando menos se espera, sem causa aparente, some-se, dissipa-se;
outras vezes vem de súbito, precedido apenas de gotas de chuva, destacadas
e grossas que, ainda sol lá fora, caem pesadas e largas, batem com
força no chão ressequido, nele abrem manchas salientes e negras
e, de envolta com tênue poeira, levantam um cheiro particular, ora perfumado
como se fora de dolorosas pétalas, era desagradável e acre de
ervas selváticas e terras ásperas.
Cerra-se depois o céu, enfusca-se a atmosfera impregnando-se de vapores
azulados que cambiam para o vermelho; zune sibilante o vento; amiúdam-se
os roncos do trovão cada vez mais próximo; fuzila a cada instante;
relampejam coriscos; serpeiam os raios em desluntres ziguezagues, ígneos
como ferro em brasa, abalando os ares com o estrepido de enormes pilhas de
porcelanas finas que se desmoronem por escadas abaixo e despejam-se violentos
aguaceiros com intervalos em que, não raro reaparece a luz solar, dourando
os bojudos contornos das nuvens, e acordando em seu sombrio recesso um mundo
das mais extraordinárias e fantásticas cintilações”.
(Céus e terras do Brasil, p. 51)
... Árvores, batidas pelas refregas ariam, curvando-se e vibram, mas,
ao mesmo tempo, sugam do chão estilante, com o renascimento da vida,
a força de resistência...
limpa-se daí a nada, o firmamento de um ponto a outro, carregado em
anil.
De todos os lados fogem nuvenzinhas flocosas com mil delicadas matizes, que
o sol a capricho lhes vai imprimindo; rumoreja aragem branda, sutil, amena,
verda- (p. 28) deiro {verdadeiro} hábito de primavera: esplende a vegetação
com renovado viço e vem se desdobrando a flébil tarde dos sertões.
( sem indicação de fonte, p. 55)
O mesmo aspecto dramático das convulsões meteorológicas
nos sertões mato-grossenses incitaria a pena de João Severiano
da Fonseca, da heróica militar.
Não será individualidade assaz lembrada pelas suas boas letras,
como sem dúvida merecia, pelas provas que deixou dos seus pendores
literários.
Ainda quando somente houvesse elaborado a “viagem ao redor do Brasil”,
sobejar-lhe-iam credenciais para ingressar na galeria dos escritores bem conceituados.
Médico erudito, participou dos trabalhos da Comissão Demarcadora
de Limites entre o Brasil e a Bolívia, mercê da qual percorreu
extensos rincões estremenhos, dilatados do Paraguai ao Guaporé,
ao som de cujas águas rodou, em busca do Madeira, do Amazonas e, afinal,
do Atlântico, para completar o circuito imenso, que lhe daria assunto
para livro magnifico.
Em suas páginas, tudo se espelha - a medicina, pelas referências
a endemias, a botânica de suas preferências, a história
e a etnografia, a poesia, na composição consagrada à
memória dos irmãos, que baquearam na guerra, e principalmente
a corografia de Mato Grosso, que lhe toma a porção maior do
volumoso livro.
Atento ao que lhe tocasse a compleição vibrátil que se
maravilha dentro dos quadros naturais verdadeiramente arrebatadores, não
deixaria de registrar o que se lhe afigurava manifestação habitual
das forças cósmicas.
“A aproximação das tempestades é de ordinário
pressentida. A temperatura se eleva, ar parece fogo: não sopra a menor
aragem.
A natureza como se abate, extática e assustada. (p. 20)
Os animais perdem o ânimo, murcham as orelhas, abatem as caudas; se
selvagens, embrenham-se nas florestas, se anfíbios precipitam-se nas
águas. Os domésticos aproximam-se do homem como que confiados
na proteção dele.
Nem as grimpas das árvores baloiçam; as matas, numa quietude
medonha, parecem sólidos inteiriços.
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