A poesia mato-grossense na historiografia
de Rubens de Mendonça.
Nesse sentido, a produção popular é
tão somente representação da cultura, parte das festas
dos sertanejos e manifestação do ludismo das folias. Hoje, entendemos
que o poético na produção popular não pode ser
visto como inferior à representação do cânone literário,
haja vista a produção de poetas como Patativa do Assaré,
cujo reconhecimento exemplifica essa atualização do cânone.
Contudo, para o contexto literário de Rubens de Mendonça, o
trabalho técnico com o poema deve estar muito à frente das condições
primeiras de inspiração, por isso o repente é reduzido
à mera manifestação cultural. Importa também,
nesse sentido, entender que para os românticos mato-grossenses a poesia
não constitui apenas expressão de sentimentos e seu material
não se resume à subjetividade lírica. Entendemos que
na poética de Mato Grosso o conteúdo enreda ao mesmo tempo uma
preocupação cultural voltada à valorização
da região e uma preocupação estética, fruto da
formação dos poetas acadêmicos. O número de autores
parnasianos citados confirma essa preocupação.
Outro aspecto do estilo de Rubens de Mendonça que mostra sua personalidade
crítica é a apreensão do veio satírico na análise
das produções do Estado. O historiador acaba revelando ao leitor
um modo de composição comprometido com o social e o político,
ajudando a recompor uma vertente pouco estudada no âmbito do Romantismo
nacional.
A sátira não foi gênero extenuante do período romântico
no panorama da literatura brasileira. Se nos árcades, para os quais
o melhor exemplo são as Cartas chilenas, isso ocorreu impulsionado
pelo contexto revolucionário dos iluministas e do ambiente da colonização;
no Romantismo, o gênero satírico teve poucos representantes,
como é o caso de Bernardo Guimarães. O processo de idealização
à Pátria e o sentimento heróico do poeta-vate apagariam
ou atenuariam a verve do sátiro no autor romântico.
Entre os poetas românticos e satíricos, Antônio Augusto
Ramiro de Carvalho é mostrado como poeta humorista que se dedicou ao
jornalismo republicano. O poeta satiriza a festa do aniversário do
imperador Dom Pedro II, comparando-a ao carnaval. Outro satírico desse
período foi Frederico Augusto Prado de Oliveira, o Zé Capilé.
Seus versos fizeram oposição à presidência do coronel
Antonio Paes de Barros (Totó Pais), escrevendo no jornal A coligação.
Indalécio Leite Proença é o terceiro satírico
citado. Autor do folheto, Sátiras anônimas, onde assina Um cuiabano,
criticou o governo de Dom Aquino Correa. O veio satírico do poeta mato-grossense
nos remete à poesia de Gregório de Matos, ao comparar Bahia
e Mato Grosso:
Se a Bahia é boa terra,
Mato Grosso inda é mió;
Pau-rodado cria proa,
Furta bem, enche o bocó.
Enquanto o poeta baiano se indispõe contra o estrangeiro, chamado
de brichote; o poeta mato-grossense se indispõe contra o pau-rodado,
alcunha dos aventureiros de outros estados que vieram para Mato Grosso movidos
pelo desejo de riqueza.
Outros poetas humoristas citados pelo historiador foram o poeta parnasiano,
Soter Caio de Araújo, com o pseudônimo de João da Escola;
e o moderno Euricles Mota, um dos signatários do grupo Graça
Aranha, que escreveu no jornal O combate, com o pseudônimo Zé
Ceguinho e Luís de Cáceres.
Rubens de Mendonça, na medida em que nos apresenta autores satíricos
da literatura do Estado, leva-nos a entender que os escritores, sentindo a
ameaça ou revolta diante das injustiças sofridas ou percebidas
- bom lembrar que a maior parte trabalhava em jornais - fazem da literatura
bandeira de protesto e compõem um quadro da nossa tradição
literária colonial que remete à poesia de Gregório de
Matos.
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