A INFLUÊNCIA DE MATO GROSSO
NA LITERATURA BRASILEIRA
Rubens de MENDONÇA
Conferência realizada na Federação
das Academias de Letras, em sessão consagrada a Mato Grosso, a 22 de
outubro de 1937, pelo Delegado da Academia Mato-grossense Dr. Vírgilo
Corrêa Filho.
A pretensão do título, acaso excessiva, quando considerado em
sua ampla significação, esbate-se, de pronto, com a atenuante
justificativa da sua escolha.
Não se lhe apontará o influxo das letras regionais na evolução
do pensamento brasileiro, presunção que transbordaria os limites
da tolerância, mas simplesmente o reflexo literário dos céus
e cenários de Mato Grosso, onde medrou o mais genuíno rebento
dos povoadores bandeirantes setecentistas.
Quando eles penetraram no território opulento, que abrasou, com o fascínio
do ouro cuiabano, as ambições aventureiras, já o descreviam,
enlevados, os escritores castelhanos, que lobrigaram em uma das ilhas do Paraguai
mato-grossense, emergindo na formosa Lagoa dos Xaraiés, o maravilhoso
Eldorado, onde cabiam todos os sonhos de riquezas deslumbrantes.
A fantasia, liberta de restrições, deformava a realidade para
melhormente estimular o entusiasmo dos conquistadores, cujas imagens se traduziam
em lendas estonteantes, propagadas até São Vicente.
Empolgados, embora, pelo que lhe prometiam as narrativas maravilhosas, os
mamelucos de Piratininga evidenciariam, na arrancada épica, através
do planalto maracajuano, o mesmo pendor objetivista, que lhes permitia varar
os sertões impérvios, como se tivessem palmilhando os rincões
da sua querência.
Observadores argutos, sabiam advinhar os segredos da natureza bruta, de que
tomavam os recursos que lhes pudessem valer, ao mesmo tempo que lhes evitavam
as hostilidades.
A conquista dos domínios assenhoreados pelos Coxiponés e Cuiabás,
e ulterior povoamento, estimulado pela exploração do cascalho
aurífero de suas lavras, excitaria a mente dos contemporâneos
que soubessem manifestar por escrito as suas impressões e conceitos.
Ainda na primeira década, é o Capitão João Antônio
Cabral Camello, que desabafa as suas decepções nas “Notícias
práticas das minas do Cuiabá e Goiás” endereçadas
ao Padre Diogo Soares.
Aventureiro, que sacava contra o futuro, na compra de escravos a crédito,
para indenização com o resultado das minas, não encontrou
em Cuiabá o metal que levava a empreender a travessia perigosa, através
dos pantanais infestados de Paiaguás temíveis.
Desiludido, gravam-se-lhe na retentiva, de preferência, os aspectos
mais sombrios, que lhe sugerem comentários desanimadores.
Regressou, como quem não mais queria tentar a fortuna varia nos garimpos,
ao contrário de Barboza de Sá, arguto licenciado, que deitou
raízes na vila sertaneja, onde sucumbiria a 30 de maio de 1779, menos
de um ???? depois de ter ultimado a sua pormenorizada “Relação
das povoações do Cuiabá e Mato Grosso de seus princípios
até os presentes tempos”.
É o iniciador da historiografia cuiabana, cujo ensaio mereceu as honras
de ser adotado como a verdadeira narrativa dos sucessos contemporâneos.
Quando a provisão régia de 20 de julho de 1782 ordenou aos camaristas
que registrassem nos “Anais do Senado” os fatos mais notáveis
da localidade, bastou-lhes trasladar para as páginas oficiais, rubricadas
pelas autoridades, o manuscrito de Barboza de Sá, em que se espalhava
o dramático viver daquela gente espicaçada pela cobiça
do enriquecimento repentino.
É o depoimento pontual de quem assistiu às lutas com os indígenas,
implacáveis na vingança contra o invasor dos seus domínios
e padeceu, como os demais, as conseqüências da fome, doenças
e irrefreável prepotência de governantes desabusados.
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