No ventre da encruzilhada
Densas direções
Meu Eu – como Dédalo
Segue no labirinto
O tema da busca.

Como ficará a rosa
Dentro de mim?
Correndo suas pétalas acesas
Pelas noites sem fim?

Na engrenagem da rotina
Os dedos metálicos
Da perpétua seqüência
Tentam alcançar
A garganta da imagem
Presa no espelho.

Sonatas improvisadas
Escapam de um piano louco
Temas reconstruídos
No hálito de um cego Chopin
O sonho amargurado
É como um esvoaçante lençol
Cobrindo a luz da manhã.

Vozes recortam o espaço
Como ecos da catedral
Enquanto percorro sozinha
Um século de cristal....

(Marilza Ribeiro, Cantos da Terra do Sol)


UM CERTO HOMEM DA AMÉRICA – I

Um certo homem da América!
Um rosto feito de mil rostos.
Um corpo feito de mil corpos
Onde se entrelaçam sombras, falas, inquietudes,
Símbolos cicatrizes e gestos vagos.
É um certo homem da América!
Caminhante de muitos caminhos onde se
Entrecruzam rios, vales, cordilheiras, abismos...
Em suas veias corre o sangue de colonizadores
E colonizados, de opressores e oprimidos, como
Avenidas aflitas da cobiça e das paixões, da prepotência
E da nostalgia, da insensibilidade e da bravura.
Pela solidão de suas noites perambulam os fantasmas de Cortez, de Montezuma,
de Atahualpa, Balboa, Dias Lemes,
Calabar, de Zumbi, e dos pesadelos dos tiranos.
No olhar desses homens transbordam matrizes de
Horizontes e precipícios de pássaros e fuligens.
É um certo homem da América!
Anda em busca do ali e do bem depois, no desejo vão
De recuperar a terra proibida, a terra perdida de seus
Antepassados, por entre a goela escancarada dos deuses vingativos...
Vaga desconfiado por entre os medos de
Cada dia, tentando desencavar do ventre da terra
A esmeralda mágica do poder... é um certo homem da América!
Um pouco de irmão, um pouco de traidor, um pouco
De caçador, um pouco de índio... na confusão de cada
Ambição, de cada amor, de cada crime... tentando ser
Dentro de si, seu próprio caminho.
Ardente, alegre, perseguido, atormentado...
É um certo homem da América!

(Marilza Ribeiro, Cantos da Terra do Sol)

Sala de estar

Portas estão escondendo
Mostrando o que nada se vê
Contornando segredos da sala
Na casa do tédio cor-de-rosa
Enquanto move-se o tempo
Ponteiros que andam lentos
Navegando no mar vazio
Onde olhares pousam na escuridão
Desejo de flutuar mansamente
Sobre a pele dos instantes
Aviso que chegam expondo
Nenhuma explicação
Até que um grito inesperado
Reclame segredo derramado
No beiral do não-sentido
Bradando para ficar mudo
Na pauta musical
Estando as notas tocando
Sinfonias às avessas
No espaço vermelho
Da sala de estar
Do lado de fora.

(Marilza Ribeiro, Palavras de Mim)